terça-feira, 29 de novembro de 2011

ENTREVISTA PARA O JORNAL "A TRIBUNA DE PIRACICABA"







O Monte Carmelo no centro-oeste de Israel, como um manto verde triangular, estende-se, por 20 km, uma cadeia montanhosa que, desde Meguido, afina-se em direção ao mar mediterrâneo, levando consigo a terra que adentra o mar com uma ponta, formando aos seus pés uma baía. Naquele ponto há um terraço que termina com uma parede de pedra de 700 metros. A este local aludia-se quando se nomeava o Monte Carmelo, nome, porém, que se refere a toda a cordilheira. O nome Karmel, derivado de Karem (vinha), pode significar campo, lugar fértil ou vinha em flores. 

Em Piracicaba há 60 anos foi fundado o Convento das Carmelitas, num ponto de destaque para aqueles que passam pela avenida Armando Salles de Oliveira, nas proximidades do cruzamento com a Saldanha Marinho. Muitos moradores de Piracicaba já estiveram na Igreja do Carmelo, ou “Carmelitas”, como é popularmente denominada. Outros a vêem de longe e imaginam que ali existe mais um templo religioso da nossa cidade. Ao primeiro contato com as irmãs religiosas residentes nesse convento já dá para notar que são pessoas especiais. Exalam o que sentem: o mesmo amor que Cristo teve pelos seus semelhantes. Séculos depois de ser fundada a ordem das Carmelitas, elas estão mais atuais do que nunca. As freirascarmelitas como uma bússola apontam o Norte da felicidade humana: ela está em nosso interior. Em suas vidas reclusas, de oração e meditação, árduo trabalho, distante, mas não alheias das angustias humanas, vivem intensamente uma realidade de grande alegria, impossível de imaginar sem as conhecê-las. Duas freiras relatam um pouco de si e do cotidiano: irmã Mariana da Cruz (Maria Albeni Teixeira Cruz) e irmã Maria de São José (Aparecida Gomes Claro). 

As irmãs nasceram em Piracicaba?
A irmã Mariana responde dizendo ser cearense, natural de Itapipoca, residiu a maior parte do tempo em Itapagé, próximo a Sobral, até sua família mudar-se para São Paulo, e nasceu em 2 de fevereiro de 1960. A irmã Maria de São José é de Avaré, onde nasceu em 9 de maio de 1939. 

Irmã Mariana, a senhora antes de ingressar na Ordem das Carmelitas exerceu alguma outra atividade?
Trabalhei 16 anos na empresa FSP Metalúrgica, no departamento de Controle de Qualidade e como auxiliar de engenharia. Ao sair montei um supermercado onde permaneci por alguns anos, até 2001. Ficava na região de Santo Amaro, São Paulo. Vendi o supermercado e fui trabalhar por um ano como recepcionista em uma clinica de cirurgia plástica que tinha dois consultórios, um em Santo Amaro e outro no Itaim Bibi. 

É interessante a trajetória da senhora, geralmente os religiosos que conhecemos já seguem a carreira desde muito jovens.
Meus pais Manoel Sinfrônio da Cruz e Isaura Teixeira da Cruze eram muito católicos, todo dia ele reunia a família para rezar o terço. Ainda criança eu sentia o chamado da vida religiosa, mas não me atentei muito para isso. Ao alcançar a idade adulta cheguei até a me afastar um pouco da igreja, em decorrência do trabalho, convívio na sociedade. No inicio do ano 2000, comecei a sentir o chamado da fé religiosa. Não resisti mais, entrei em outra comunidade, a Comunidade Católica Shalom, eu fui enviada para Salvador onde permaneci por um ano. Senti, no entanto, que deveria entrar para o Carmelo. Voltei para São Paulo. 

Quem era mais religioso?
O meu pai. Acredito que a família influencia muito nas vocações religiosas. 

Não havia certa tentação em assistir uma novela ao invés de rezar o terço?
É natural que se tenha, só que temos opções e capacidade para discernir. Todos têm condições de dimensionar os valores e temos a liberdade de opção. 

Irmã Maria de São José, com que idade a senhora passou a viver a vida de religiosa?
Era a primogênita, aos 18 anos segui a vida dedicada à religião. Filha de João Antonio Claro e Inácia Gomes Claro, ainda muito jovem senti atração pela religião. Quando eu era ainda pequena mudamos para Bandeirantes, no Paraná. A paróquia era de Santa Terezinha, eu via a imagem de Santa Terezinha no altar-mor e pensava que gostaria de ser como ela. Na verdade eu nem entendia direito nem sabia o que eram ascarmelitas. Eu gostava do hábito dela, segurando as flores com Jesus Menino nos braços. Com 15 anos conheci as irmãs Franciscanas do Coração de Maria, que existe aqui em Piracicaba, na rua Boa Morte. A fundação delas é em Campinas, e elas fundaram um pequeno educandário em Bandeirantes. Meu pai era muito religioso, Vicentino, Congregado Mariano, tanto ele como mamãe eram muito compreensivos, sempre valorizaram muito os filhos. Disse ao meu pai que gostaria de seguir a vida religiosa. Pelo fato dele ser muito religioso, não colocou o menor obstáculo. Um dia ele ao chegar em casa e falou: “Conversei com a madre e ela me disse que você deve ir até lá para falar com ela.” Fui até lá, a madre convidou-me para morar com elas, que iriam me ensinando e disse: “Com o tempo você vê se é isso mesmo que você deseja”. Fiquei lá, continuei meus estudos e permaneci um ano como aspirante, fiz o postulado. Com o passar do tempo senti que não era aquilo que eu desejava. Comecei a conhecer melhor o Carmelo em Campinas. Boa parte da minha família morava em São Paulo, uma das minhas tias disse ao meu pai, que em São Paulo, no Jabaquara tinha o Carmelo. No dia seguinte fomos ao Carmelo, a madre disse que o quadro de irmãs estava completo. 

Quantas irmãs residem em uma unidade carmelita?
Depois do Concilio passou a ser 21 irmãs. Isso porque quando a comunidade é pequena é mais fácil a vida de fraternidade. A madre disse então que as irmãs tinham saído de lá para fundar o Carmelo em Piracicaba. Aqui foi fundado em 11 de abril de 1951, eu entrei em 1957. Até ser construída a Igreja do Carmelo as freiras permaneceram na Casa Diocesana. 

A senhora veio de São Paulo acompanhada por quem?
Vim com o meu pai. Ao chegar a Piracicaba tomamos uma charrete e viemos até o Carmelo.

As irmãs saem da clausura?
Saímos por motivo de saúde e mais recentemente para exercer o direito do voto, nas eleições. 

Quando a senhora chegou quantas irmãs carmelitas existiam em Piracicaba?
Havia seis irmãs. O Carmelo estava em construção ainda, ajudei a fazer reboque, carregar tijolos, pintar, limpar as árvores, isso dentro do nosso quintal. Entrei aqui no Carmelo no dia 12 de outubro de 1957, meu pai fez questão de me trazer. Recebi uma blusa branca uma saia marrom e um véu branco. Seis meses depois recebi o habito no dia 23 de abril de 1958. 

A cerimônia de tomada de habito é muito bonita.
Antigamente a irmã entrava vestida de noiva, assistia à missa, saia ia vestir o habito. Atualmente não se usa vestido de noiva, e a cerimônia não é mais publica, é só entre as irmãs. 

Como é o dia a dia no Carmelo?
Levantamos às 4h30 da manhã, depois rezamos a primeira hora, chamada laudes, fazemos a oração mental, rezamos o terço, rezamos a segunda oração litúrgica, ou tércia, saímos, vamos tomar café. Em seguida cada uma vai realizar seu trabalho: lavar roupas, costurar, limpar. Às 10h45, vamos para a terceira hora litúrgica, também chamada de sesta, fazemos um exame de consciência do que fizemos até aquele momento. A nossa vida é assim, qualquer trabalho que realizamos é uma forma de oração. Em seguida vamos ao refeitório, para o almoço, durante o qual fazemos a leitura espiritual.

Irmã Maria de São José diz:
A lembrança dos Santos é eterna, se o senhor perguntar quem foi tal pessoa que viveu há 30 anos, muitas pessoas não saberão dizer, mesmo que essa pessoa tenha ocupado um cargo importante, mas se perguntarmos quem foi Francisco de Assis, que viveu há 700 anos, muitos lembrarão. Os justos viverão eternamente. 

A senhora teve a oportunidade de viver mais tempo antes de entrar para a comunidade, isso dá um embasamento muito grande?
Eu era uma moça normal, trabalhava, tinha amigos, saia passear, em shopping, cinema, dançava, tinha namorado. 

A senhora nunca pensou em se casar?
É que os planos de Deus eram outros, e Deus é fiel aos seus planos. Deus não desiste de nós. 

Em livros de romances, filmes, ou novelas a decepção com a vida amorosa leva a moça a recolher-se em um convento. Isso pode ter acontecido?
Quando eu me determinei a seguir a vida religiosa eu estava muito bem afetivamente. Pessoas mais próximas achavam que eu estava fora do meu juízo. Quando chega uma jovem querendo entrar no convento analisamos a sua história, se ele tiver tido alguma decepção sentimental, nós pedimos que ela vá repensar sua vocação, nem recebemos a pessoa em nosso meio. A pessoa que vive como escravo, seja qual for a escravidão, ela não está tendo a sua vida, não está vivendo. 

Muitos são escravos de seus desejos, suas vontades e ambições?
Muitos são de forma inconsciente. Geralmente as pessoas confundem sua liberdade, aquelas que se acham donas do mundo, são na realidade escravas do mundo. O mundo é dono dela. É dono do mundo aquele que não depende do mundo. 

As irmãs assistem televisão?
Como o nosso foco de interesse é de cunho religioso, assistimos esporadicamente eventos religiosos, em particular pronunciamentos e cerimônias do Santo Padre. Nossa leitura é de cunho católico. 

As irmãs usam Internet?
Usamos para trabalhos. 

Isso significa que as irmãs carmelitas não são pessoas alheias à tecnologia?
Há muita coisa boa, muita noticia da Santa Sé. Precisamos conhecer a realidade, se não sabemos o que acontece nem temos conhecimento do que mais necessita as nossas orações. 

Os habitantes de Piracicaba procuram o Carmelo?
Geralmente telefonam, marcam a vinda até aqui, expõem suas angustias, procuramos ajudar com palavras ou encaminhamentos a sacerdotes ou até mesmo para a área médica se for o caso. A ciência sempre ajuda. Santo Agostinho já falava que: “O homem está sempre inquieto enquanto não encontra Deus”. As pessoas atualmente procuram satisfazerem-se no consumismo e nos prazeres da vida, nada irá preencher um vazio que só Deus preenche, Deus é a felicidade perfeita. Quanto mais a pessoa entra nesse consumismo, mais ela irá se esvaziar, muitas vezes a pessoa entra em depressão. Há casos em que a depressão é de natureza orgânica, independente do grau de satisfação da pessoa, trata-se de questão de saúde. O homem está perdendo a sua identidade de ser humano. O pecado desumaniza. 

O que é pecado?
É tudo que desagrada a Deus! Nossas falhas, que podemos trabalhar, e não cometê-las deliberadamente. O ser humano precisa se conhecer para poder se trabalhar, se eu conheço o inimigo tenho força sobre ele. 

Qual é o remédio para os males da humanidade atualmente?
Reencontrar o Criador! Temos tido um progresso material muito grande, isso é bom, a Igreja quer que todos participem desse progresso. Que todos tenham saúde, escola, moradia. O homem do século 21 acha que não precisa mais de Deus. 

O trabalho das irmãs carmelitas atrás dessas grades é em benefício da humanidade?
Toda nossa oração é para a Igreja e para a Humanidade. Vivemos em unidade com a humanidade, eu me sinto muito mais em unidade com a humanidade hoje do que quando estava lá fora. 

O Carmelo recebe visitas de pessoas aflitas, que necessitam de oração e na hora da alegria também?
Também! Muitas vezes nasce o filho a pessoa nos trás para conhecermos. Batizam aqui.

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